O segundo dia do V Encontro Nacional dos Municípios Mineradores, promovido pela Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais e do Brasil (AMIG) foi marcado por uma intensa imersão nas áreas econômica e ambiental da mineração. O evento, que começou na terça-feira, dia 19 de setembro, e terminou no final da tarde, desta quarta-feira, dia 20 de setembro, reuniu nestes dois dias, pessoas de 62 municípios de doze estados brasileiros.
Para abrir o dia, Daniel Pollack, superintendente de
arrecadação e fiscalização de receitas da Agência Nacional da Mineração (ANM),
e Dão Real, presidente do Instituto de Justiça Fiscal, ministraram uma palestra
sobre o “passivo econômico da mineração em relação aos municípios
brasileiros". Daniel Pollack fez uma apresentação detalhada com o estado
de penúria e sucateamento vivido pela ANM, que torna impossível a fiscalização
efetiva dos recursos que deveriam ser arrecadados, a garantia da segurança de
barragens e a devida regulação das mineradoras.
“A ANM vem tendo uma redução crescente de pessoal. A agência
chegou a ter mais de 1,4 mil servidores, mas, por lei, deveria ter 2.121. Hoje,
opera com 664 servidores. Desse total, 35% podem se aposentar a qualquer
momento”, disse Pollack.
Pollack reforçou que há falta de profissionais para fazer a
fiscalização das áreas de mineração e garimpo. A arrecadação da Cfem, por
exemplo, é autodeclaratória: a mineradora apura o valor relativo à extração
mineral, entra no site da ANM e declara. De acordo com o Tribunal de Contas da
União (TCU), de cada R$ 1 arrecadado pela ANM, outro R$ 1 é sonegado.
Dão Real, em sua apresentação, fez uma análise sobre a ótica
retrógrada que a a desoneração tributária do setor mineral traz para a economia
brasileira. “Desde o início, deveríamos ter aproveitado a nossa riqueza para
criar e incentivar a industrialização, assim como Getúlio Vargas fez, em 1946,
com a criação da CSN (Companhia Siderúrgica Nacional). Essa opção já havia sido
abandonada, principalmente com a Lei Kandir,
instituída em 13 de setembro de 1996”, avaliou.
Dão enfatizou que, ao adotar a isenção, o Brasil opta pelo
subdesenvolvimento. “Os países desenvolvidos apostaram na industrialização e
não na economia primária. Então, quando
se aposta na economia primária estamos fazendo uma opção para permanecermos na condição de fornecedores
mundiais de matérias primas e não na
condição de fornecedor mundial de produtos manufaturados. Porém, ainda dá tempo
de mudar o cenário político-econômico e investir na cadeia produtiva
brasileira”, observa.
Avaliando o cenário atual, Dão pontuou que quem está lucrando são os setores econômicos que exploram a atividade mineral. “Não há lucratividade para o município, o estado e o país. Pegamos uma riqueza natural e mandamos para fora, trocamos ela por dólar. Porém, esse dólar fica nas mãos de poucas pessoas.”
Licenciamento ambiental - Fernando Baliani, da superintendência de apoio à
Regularização Ambiental da Secretaria de Estado de Meio Ambiental e
Desenvolvimento Sustentável (SEMAD), apresentou a palestra “Vulnerabilidade nos
processos de Licenciamento ambiental e seus impactos na gestão pública
municipal”. Ele iniciou o assunto falando sobre a importância da
municipalização do licenciamento e tratou sobre Lei Complementar 140/2011, que
é a única que cumpriu a previsão constitucional, trazendo de forma expressa as
normas de cooperação para o exercício da competência comum em matéria ambiental
a cada ente da Federação: União, Estados, Distrito Federal e Municípios.
Também fez uma reflexão sobre a Deliberação Normativa Copam
213, de 22 de fevereiro de 2017, que estabelece as tipologias de
empreendimentos e atividades cujo licenciamento ambiental será atribuição dos
Municípios, além das diferenças do licenciamento ambiental no estado e no
município.
Baliani falou, ainda, sobre as diferenças do licenciamento
ambiental no Estado e no Município. "Caso o município passe a gerir o
licenciamento ambiental, a cidade terá vantagens como por exemplo, gerir os
empreendimentos do seu território, arrecadação de recursos e multas, celeridade
nos processos de licenciamento, aumento da participação social, melhoria da
qualidade ambiental e bem estar da população, facilidade para executar ações de
fiscalização”, enfatizou.
Para municipalizar essa gestão, segundo ele, “é necessário
ter uma equipe técnica qualificada com engenheiro e profissionais de área
ambiental, por exemplo”. Caso o município não consiga ter esse corpo técnico,
ele sugere a criação de um consórcio entre cidades vizinhas. “Outra
possibilidade é o convênio de cooperação técnica. Atualmente somente 216
assumiram a competência do licenciamento”, alertou.
Desenvolvimento sustentável - A última palestra do V Encontro
Nacional dos Municípios Mineradores foi apresentada por Maurício Ângelo, pesquisador do Centro do Desenvolvimento
Sustentável na Universidade de Brasília e fundador do Observatório da
Mineração. Ele abordou o tema “ESG e a relação com a governança municipal.
Quais as premissas para que o município se coloque em uma posição favorável ao
diálogo?”.
Respondendo a essa indagação, Maurício Ângelo destacou as
três letras (ESG), que se tornaram a bola da vez do mercado financeiro e das
mineradoras, representam supostos compromissos ambientais, sociais e de
governança que empresas assumem no dia a dia. Na grande maioria das vezes,
porém, o discurso ESG fica restrito à teoria e, mais do que isso, é usado para
tentar lavar a imagem de empresas abertamente poluidoras e violadoras de
direitos.
Maurício trouxe reflexões como: como se dizer “sustentável”,
por exemplo, quando empresas acumulam multas ambientais e desastres graves no
currículo? Como alegar que “respeita os direitos humanos” quando uma empresa
tem histórico de não consultar comunidades indígenas, quilombolas e
ribeirinhas, violando leis e a Constituição? Como vender a ideia de que
“trabalha para a inclusão” quando as mineradoras gozam de inúmeros privilégios,
subsídios e incentivos, não pagam imposto de exportação e deixam quase nada para
as cidades que convivem com um legado de destruição?
“ O ESG virou “obsessão” do setor mineral. Muitas mineradoras
já divulgaram que estão implantando ou implantaram o ESG em suas barragens e
nas cidades em que estão localizadas, por isso os prefeitos devem cobrar que
elas cumpram o que elas mesmas disseram que vão fazer”, ressaltou.
Encerramento - Para fechar a quinta edição do
Encontro Nacional dos Municípios Mineradores o consultor de Relações
Institucionais e Diversificação Econômica da AMIG, Waldir Salvador, salientou a importância dos
municípios assumirem seu papel como protagonistas na gestão e fiscalização da
atividade mineral nos municípios. “Fechamos o congresso com uma ação de extrema
importância que é a criação do Fórum Municipal de Atividade Mineral, que vai
discutir as principais pautas que circundam a atividade mineradora e propor,
junto aos governos Estadual, Federal e Congresso Nacional, soluções para mudar
os parâmetros atuais da mineração, que
prejudicam o crescimento econômico e social das cidades. Não dá mais para
tolerar a obscuridade que os municípios vivem em relação à atividade mineral”,
avaliou.
O presidente da AMIG, José Fernando Aparecido de Oliveira,
que também é prefeito de Conceição do Mato Dentro (MG), reforçou que, neste ano, o evento foi coroado
pelo sucesso. “Discutimos, escutamos e aprendemos muito. A ANM se fez presente
com toda a sua diretoria, o Serviço
Geológico do Brasil, a Companhia de Pesquisa Mineral, prefeitos, vereadores e
deputados federais. discutindo o futuro
da mineração no Brasil, fundamentado na sustentabilidade, segurança e
diversificação econômica. Saímos daqui com mais conhecimento do que tínhamos
antes do evento e com deliberações importantes para realmente mudar o tom da
atividade mineral no país”, enfatizou.
A vice-presidente da AMIG e prefeita de Canaã dos Carajás
(PA), Josemira Raimunda Diniz Gadelha, agradeceu aos colegas prefeitos e
prefeitas que estiveram presentes e a todos que palestraram e dividiram
conhecimento. “Sairemos mais esclarecidos e mais preparados para dialogar com
as mineradoras com sabedoria. A mineração traz desenvolvimento econômico, mas
traz muitos desafios e precisamos estar preparados e munidos de informação para
conversar de igual pra igual”, alertou.