Região atingida pelo rompimento da barragem Mina Córrego do Feijão, em Brumadinho (MG)
Foto: Presidência da República - 26.jan.2019/Divulgação
As ações da Vale estão entre o punhado de empresas da bolsa de valores brasileira que já tiveram uma recuperação rápida e robusta das quedas bruscas causadas pelo choque do coronavírus nos mercados, em março.
A mineradora não só já zerou as perdas do ano como atingiu o maior valor de sua história, marcado no pregão desta quarta-feira (29). As ações dela subiram 2,6% e fecharam o dia valendo R$ 62,95 às vésperas da divulgação de seus resultados no segundo trimestre, divulgados na noite de quarta.
Os números mostraram alta de 29% nas vendas em comparaçao ao primeiro trimestre e um lucro de R$ 5,3 bilhões, ante um prejuízo de R$ 384 milhões no mesmo período do ano passado, quando a empresa foi atingida pelo rompimento da barragem.
Em um dia de baixas no Ibovespa, as ações da Vale recuaram e voltaram para R$ 61,27 no pregão da quinta-feira. Ainda assim, seguem valendo mais agora, em plena pandemia, do que antes do acidente de Brumadinho (MG). Foi lá que, no dia 25 de janeiro de 2019, sua barragem de rejeitos do Córrego do Feijão desabou e matou 250 pessoas.
O recorde anterior da Vale tinha sido marcada exatos quatro meses antes disso, em 25 de setembro de 2018, quando sua açao fechou valendo R$ 62,20. E o preço seguiria testando novos limites não fosse pelo desastre.
No último dia antes do acidente de Brumadinho as ações da Vale eram vendidas a R$ 56. Cairia mais de 25% nas duas semanas seguintes. Na véspera do outro acidente, o da barragem de Mariana (MG), em 21 de novembro de 2015, eram negociadas a R$ 14,64.
Com o novo recorde marcado nesta semana, a Vale já acumula um ganho de 18% desde o início do ano e de 84% sobre o pior momento da pandemia (R$ 34,10 em 23 de março). O Ibovespa, índice de referência que reúne as maiores empresas da bolsa, ainda está 9% abaixo da pontuação do início de 2020.
Para Pedro Galdi, analista da Mirae Asset, o resultado veio acima do esperado e deve continuar agradando os investidores – principalmente pela retomada da remuneração aos acionistas. "Se mantida a política definida antes do colapso de Brumadinho, a Vale será a partir do próximo ano, um destaque entre as empresas que pagam dividendos extraordinários em nosso mercado acionário", afirma o analista.
Minério de ferro e a alta do dólar
Uma China que segue comprando minério de ferro, ao lado de uma oferta global apertada desde que a própria Vale paralisou parte das minas após Brumadinho, está entre os principais fatores que ajudaram a segurar o preço do produto mesmo com todo o resto do mundo desmoronando.
No Brasil, a Vale ainda saiu ganhando com a alta do dólar, o que, na conversão para reais, aumenta a sua receita com exportações. O mercado favorável está ajudando o papel da empresa a ganhar espaço nas carteiras de gestoras e a liderar as recomendações de investimentos dos analistas.
Significa, então, que bastava o preço do minério subir para que os investidores esquecessem os danos ambientais e sociais deixados embaixo da lama das barragens da companhia?
“Na verdade, quando olhamos para os múltiplos em relação ao lucro, ela está valendo menos hoje do que no passado", disse Márcio Correia, gestor de ações da JGP, gestora que passou nos últimos anos a incluir critérios de sustentabilidade e impacto social (o chamado ESG) na escolha das ações que entram em seus fundos. "Ou seja, o mundo já está colocando um desconto sobre a Vale, e isso está totalmente ligado a Brumadinho.”
Ação podia estar valendo 50% mais
Os múltiplos são uma medida usada pelos analistas para ter uma referência se o preço de uma ação está caro ou barato em relação ao que a empresa entrega. Eles podem ser calculados pelo preço da ação em relação ao lucro ou ao Ebitda, por exemplo – quanto mais alta a proporção do valor na bolsa em relação aos resultados realizados, mais caro o ativo.
“A Vale está ainda com um desconto na faixa de 30% em relação ao valor de outras mineradoras, como a Rio Tinto, mesmo o minério dela sendo de excelente qualidade”, disse Correia. “Na proporção em que era negociada antes de Brumadinho, e com o dólar e o preço do minério onde estão, ela poderia estar valendo 50% mais do que está hoje.”
"O minério de ferro, antes de Brumadinho, estava na faixa de US$ 70, hoje está próximo de R$ 110", disse o analista da corretora Necton, Glauco Legat.
Isso, explica, criou uma situação bem preculiar: a Vale acabou favorecida pela própria paralisia da produção, já que as toneladas de minério que tirou do mercado global ao suspender a operação das minas afetadas fez o preço de seu principal produto subir.
“Ela tem balanços muito mais limpos hoje, com um nível de endividamento muito baixo e uma geração de caixa bem forte”, disse Wagner Salaverry, sócio responsável pela área de renda variável da gestora Quantitas.
Risco sócio-ambiental disparou
No mercado financeiro brasileiro, a noção de analisar os impactos sociais e ambientais de um negócio antes de investir nele ainda está engatinhando. Nos países desenvolvidos, em especial na Europa, já é uma cobrança avançada.
Como é lá que estão alguns dos maiores fundos de investimentos do mundo, e como metade do dinheiro que circula da bolsa de valores paulista vem de investidores estrangeiros, o impacto da tendência é grande mesmo para as companhias daqui.
O entendimento desse novo viés de análise, baseado no conceito de ESG (singla em inglês para meio ambiente, sociedade e governança), é de que as empresas que negligenciam essas questões têm riscos maiores de incidentes, de simplesmente ficarem para trás e, portanto, de perderem valor. E investidores, por natureza, não querem isso.
Em abril deste ano, por exemplo, o fundo soberano da Noruega, o principal do país, incluiu a Vale na lista de empresas que, por ora, não entram mais em seu portfolio. "Foi recomendada a exclusão da Vale por conta de repetidos rompimentos de barragens" e "por riscos de severos danos ambientais", informou o fundo, gerido pelo banco central norueguês.
Colada a este movimento, a consultoria de dados financeiros Morningstar criou um braço de sustentabilidade, a Sustainalytics, e um índice próprio de avaliação de risco que olha especificamente para os impactos sociais, ambientais e de governança das empresas – o ESG Risk Rating.
A ideia é parecida com as notas de crédito das agências de avaliação de risco como Moody's e S&P. Mais de 12 mil empresas de todo o mundo estão na basede dados da Sustainalytics. E a nota ESG da Vale está péssima.
No início de julho, a nota da mineradora brasileira era 52,1, o que a colocana faixa de risco “severo”, a pior das cinco categorias na escala da consultoria.
Para se ter uma ideia, entre as principais concorrentes do setor,a pontuação da BHP é 31,2, da Rio Tinto é 34,4 e da Anglo American é 23,3. A nota da própria Vale, logo antes de Brumadinho, era 35,6.
Vale investir?
A boa notícia é que o choque não de uma, mas de duas barragens obrigou a mineradora a se mexer, com diversas iniciativas e investimentos ostensivos no sentido de melhorar sua governança e ampliar a segurança de seus sítios.
Só o dinheiro reservado para as indenizações relacionadas a Brumadinho é de US$ 6 bilhões. As barragens ao estilo da de Brumadinho (a montante) estão sendo reformuladas.
A companhia criou uma diretoria específica para acompanhar o desdobramento dos danos das barragens (de "reparaçao e desenvolvimento") e os relatórios e informações relacionadas a meio ambiente ficaram mais completos e transparentes.
“Ela está indo na direção correta e reduzindo muito os riscos”, disse Correia, da JGP. “São mudanças que não se fazem em um estalar de dedos, mas, se bem feitas, transformam a empresa.”
Financeiramente, a perspectiva de valorização da ação ainda é grande, principalmente pelo fato de ela ainda estar sendo entendida como barata pelo mercado.
A volta aos lucros depois de um ano de prejuízos e a expectativa de que, encerrados todos os processos e indenizações, a mineradora volte a distribuir dividendos – que estavam suspensos – também ajudaram a impulsionar altas fortes de suas ações nos últimos dias.
"Ela tem potencial para chegar à faixa dos R$ 80 ao longo do próximo ano", disse Legat, da Necton. A Vale voltou para as recomendações de compras da corretora há cerca de quatro meses.
Já na visão da Quantitas, o preço pode ter chegado próximo do limite, e a gestora resolveu realizar os lucros dos últimos anos, vender o que tinha e retirar a empresa de sua carteira. "Para subir mais, é preciso um cenário em que o minério de ferro fique ainda mais caro do que já está, e nao vemos muito mais espaço para isso acontecer", disse Salaverry.
“Em um ano à frente, é muito difícil a Vale não ir bem em termos de geração de caixa”, disse Correia, da JGP. “O investidor vai ter que fazer a decisão de acordocom a sua visão de mundo. Se quer um mundo mais sustentável, tem a opção de não investir, mesmo sabendo que o preço dela está muito barato.”