REPORTAGEM PUBLICADA EM: O TEMPO
A Assembleia Legislativa de Minas Gerais aprovou na manhã desta terça-feira (6) por 70 votos a 3 a proposta de emenda à Constituição que prevê que o governo de Minas possa realizar transferência especial para repassar R$ 1,5 bilhão do acordo com a Vale para os municípios mineiros. Houve um voto em branco, do deputado Virgílio Guimarães (PT).
Por tratar-se de uma emenda à Constituição, não é necessária a sanção do governador Romeu Zema (Novo). O presidente da ALMG, Agostinho Patrus (PV), tem a prerrogativa de promulgar a PEC.
A proposta inclui na Constituição Estadual a autorização para se gastar, por meio de transferência especial, os recursos extraordinários que entrarem nos cofres estaduais e que superarem 1% da Receita Corrente Líquida.
O acordo do governo de Minas com a Vale como reparação pelo rompimento da barragem em Brumadinho atende este critério. Pelo acordo, a mineradora vai executar R$ 26 bilhões em ações e obras e outros R$ 11 bilhões serão repassados aos cofres estaduais para o Executivo realizar suas intervenções. Deste valor, até agora R$ 1,1 bilhão já foi depositado na conta do Estado.
Da quantia que entrará nos cofres públicos, a ALMG propôs em um projeto de lei separado destinar R$ 1,5 bilhão para as prefeituras a título de auxílio emergencial municipal, de forma proporcional à população. A ideia dos deputados é usar a transferência especial para repassar este recurso direto para as contas das prefeituras, que decidirão em quais obras usá-lo. O repasse seria obrigatório, algo que também consta da PEC.
Os parlamentares favoráveis à transferência especial consideram que não era necessária uma alteração na Constituição para que o R$ 1,5 bilhão fosse transferido diretamente para as prefeituras.
Porém, diante do argumento do governo Zema de que a transferência especial descumpriria o acordo com a Vale — o governo defende a realização de convênios para poder controlar que o dinheiro seja gasto conforme acordado com a mineradora —, 32 deputados apresentaram a PEC para deixar claro no texto constitucional a previsão da transferência especial.
Apesar da posição do Palácio Tiradentes, o líder de Governo na ALMG, deputado Gustavo Valadares (PSDB) orientou o bloco governista a votar de forma favorável à PEC. Segundo ele, o governo “nunca foi contra” a transferência especial e sempre esteve ao lado dos deputados para o repasse aos municípios.
"O governo está buscando maneiras legais de fazê-lo sem que corra o risco amanhã de ter seus secretários podendo sofrer ação de improbidade administrativa por estarem descumprindo um acordo assinado a muitas mãos, com Ministério Público Federal, Ministério Público Estadual, Defensoria Pública e a participação do Tribunal de Justiça", explicou.
"Então, o governo nunca foi contra. A PEC é um caminho que busca trazer legalidade à transferência especial. Então, nós somos favoráveis”, concluiu Valadares.
Apenas os deputados do Novo votaram contra: Guilherme da Cunha, Laura Serrano e Bartô.
Para o líder da oposição, André Quintão (PT), com a aprovação da proposta, o obstáculo jurídico apontado pelo governo fica superado.
“Nós estamos resolvendo um problema para o governo. Essa PEC é para garantir segurança jurídica. Agora, se tem gente no governo que queria o cheque em branco, que queria que a Assembleia dissesse ‘sim, senhor governador, faça o que quiser’, vai ter que buscar outro argumento”, declarou.
Segundo ele, o próprio acordo com a Vale prevê que os recursos sejam gastos em áreas como segurança hídrica, transporte público, obras rodoviárias, reestruturação de hospitais, convivência com a seca, cultura, turismo, agricultura, pecuária, melhoria infraestrutura dos municípios, segurança rural e ações de enfrentamento à Covid-19.
“E mais um conjunto de ações que qualquer município pode gastar o recurso. Eu ouvi representantes do governo dizendo que a PEC não resolveria porque os prefeitos teriam que gastar conforme está no acordo. Eu mencionei aqui as áreas que estão no acordo. É simples: o próprio governo pode fazer por decreto a regulamentação. ‘Olha, vamos passar sim os recursos, mas no acordo tais áreas estão previstas e vocês têm que seguir isso’. Pronto, tá resolvido. Não tem polêmica.”, concluiu Quintão.
Deputado do Novo diz que PEC é incoerente e não resolve impasse
O deputado governista Guilherme da Cunha (Novo) disse que a origem da PEC é a incoerência e o resultado dela será a ilusão. Ele classificou a proposta como “cortina de fumaça” para esconder a demora na aprovação do projeto de lei que autoriza o Executivo a gastar R$ 11 bilhões do acordo com a Vale.
"Anteriormente a Assembleia Legislativa apressou-se a aprovar uma PEC para exigir que esses recursos da Vale passassem pelo Legislativo para que o governador não recebesse um cheque em branco”, disse. “[Agora] O nosso impasse está no desejo de transferir esse recurso na forma de cheque em branco para 853 prefeitos. É a incoerência”, acrescentou o parlamentar.
“Mas o resultado é a ilusão porque ela não resolve de fato o problema. O problema que impede a transferência especial desses recursos não está na nossa Constituição, o problema está na destinação expressa dos recursos presente no acordo que foi homologado na Justiça e transitou em julgado”, concluiu Guilherme da Cunha, que votou contra a PEC.
Assim como o deputado do Novo, o governo de Minas considera que a emenda à Constituição não resolve os entraves que levaram ao impasse com os deputados. Segundo o Palácio Tiradentes, o texto do acordo com a Vale prevê que a verba seja gasta em áreas específicas.
Para garantir que isso seja cumprido, o governo defende que é necessária a modalidade de convênio, onde as prefeituras informam primeiro como vão gastar o dinheiro, o governo analisa se está em conformidade com o acordo com a mineradora e só então libera o dinheiro.
“Ainda que o Tribunal de Contas do Estado exerça a fiscalização que lhe compete e mesmo considerando que não há desconfiança em relação aos gestores municipais, a questão central é que, neste cenário [da transferência especial], os gestores do Estado de Minas Gerais seriam pessoalmente responsabilizados sobre toda a execução dos recursos nos 853 municípios, sem nenhum instrumento de controle”, explicou o governo em nota.