Brasil tem prejuízos bilionários com isenção de imposto na importação de substâncias minerais

Municípios mineradores reforçam a necessidade de corrigir a distorção presente na Lei Kandir que, há mais de 20 anos, desonera o ICMS para bens não renováveis exportados

Dirigentes da Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais e do Brasil (AMIG), juntamente com prefeitos e representantes de cidades associadas, estiveram em Brasília para participar de uma audiência pública, realizada pela Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados, com o intuito de debater a mineração no contexto da reforma tributária. A reunião foi comandada pelo deputado federal Rodrigo de Castro, presidente da Comissão, e contou com a participação de especialistas dos setores público e privado, entre eles representantes do Ministério de Minas e Energia, da Agência Nacional de Mineração (ANM) e do Ministério da Fazenda.

“Desde que cheguei em Brasília, como deputado federal, falamos sobre a necessidade da reforma tributária no Brasil e ela até hoje não aconteceu. Agora, chegamos a um consenso da urgência de fazermos essa reforma acontecer”, ressaltou Rodrigo de Castro na abertura da audiência.

René de Oliveira e Souza, secretário de fazendo do Pará, avaliou que a isenção do ICMS para produtos não renováveis pela Lei Complementar 87 de 13 de setembro de 1996, e sua constitucionalização com a Emenda Constitucional nº 42, de 2003, foi válida para o contexto conjuntural da época que exigia tal medida e como uma das ferramentas de estabilidade cambial, o superávit primário foi importante. Ele ressaltou, entretanto que as compensações esperadas pelos estados decorrentes dessas desonerações foram muito inferiores às perdas. “Com instituição da Lei Kandir apenas uma pequena parte foi ressarcida. Somente o estado do Pará perdeu 13% de sua receita em 1996. O esperado era que com o crescimento da economia, fossem repostas as perdas, o que não ocorreu. Os Estados perderam parte relevante de sua capacidade de execução de Políticas Fiscais.”

Para ele, coincidentemente ou não, a desindustrialização do país começou com a desoneração da exportação. “Viramos um país exportador de commodities e a industrialização só fez diminuir, cada vez mais”, destacou.

Para René, é preciso enfrentar os tabus que rodeiam os aspectos tributários e econômicos na mineração brasileira. “Precisamos implementar com urgência os impostos na exportação dos bens não renováveis. Além disso, é preciso igualar os royalties de minério (3,6%) ao de petróleo (9,6%). Em 2020, por exemplo, o Pará arrecadou R$ 3 bilhões de royalties, se fosse aplicado a alíquota de 9,6% esse valor subiria para R$8,5 bi. Em Minas, foram arrecadados R$ 2,3 bilhões e iria para R$ 7,3 bilhões. Essa diferença não tem justificativa. Temos que fazer uma reforma de tributo sobre consumo. É oportuno e urgente rever essas questões”, avaliou.

O presidente da AMIG e prefeito de Conceição do Mato Dentro (MG), José Fernando Aparecido de Oliveira, reforçou a luta dos municípios mineradores para resolver a falta de uma cadeia produtiva na atividade mineral que tem onerado os cofres brasileiros. "Praticamente todo nosso produto vai para outros países para alimentar uma cadeia produtiva, gerando emprego, renda e industrialização.”

 

Ele sinalizou que o setor tem atuado dentro de uma ótica tributária perversa. “Precisamos urgentemente corrigir a distorção presente na Lei Kandir, que há mais de 20 anos desonera o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) para bens não renováveis exportados. 83% do minério de ferro produzido no Brasil é exportado e não gera impostos no mercado interno. A legislação favorece a expansão da indústria no exterior em detrimento do Brasil. É preciso ter uma visão agregadora de valor internamente, de gerar emprego e renda em território nacional”, afirmou.

O Brasil está isentando da China, por exemplo, que compra o minério de ferro e enriquece sua cadeia produtiva. “Em 1980, nós produzimos 30 milhões de toneladas de aço e a China os mesmos 30 milhões de toneladas. Hoje, a China passa de 1 bilhão de toneladas, com o nosso minério. E o Brasil continua produzindo os mesmos 30 milhões de toneladas de aço. Não dá mais para continuar nessa situação”, criticou.

José Fernando pontuou que, antes da Lei Kandir ser instituída, o estado arrecadava 12% com a exportação. “Hoje não se ganha nada. Enquanto isso, vemos os lucros exorbitantes das mineradoras. A exemplo da Vale, que em 2022, teve carga tributária de R$ 15 bilhões, ou seja, 14,93% do lucro antes dos tributos e 6,70% sobre a receita bruta auferida. Como vamos construir uma mineração sustentável, cuidar da população, diversificar a economia de nossos municípios vendo nossas riquezas indo embora, sem custos, para outros países”, alertou.

Em 2022 as exportações minerais brasileiras alcançaram US$41,7 bilhões. O saldo comercial mineral (exportações minerais menos as importações minerais), de quase US$24,9 bilhões equivaleu a 40% do saldo comercial brasileiro, que foi de US$ 61,8 bilhões. “Está comprovado em números que a mineração brasileira, principalmente aquela que exporta, pode e deve contribuir mais para o país. Queremos que as mineradoras sejam cada vez mais prósperas, mas que a exportação tenha equidade e equilíbrio entre aquilo que fica no país e aquilo que fica nos cofres de seus sócios”, reforçou o consultor de Relações Institucionais e Econômicas da AMIG, Waldir Salvador,

 

Sonegação - A cada R$1 arrecadado na mineração, R$1 real é desviado. Waldir Salvador fez uma crítica à essa cultura de sonegação persistente no setor. “À medida que o antigo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) e a ANM foram definhando, foram aumentando o número de acidentes, de sonegação e de ajuizamento de ações para não se pagar a Compensação Financeira pela Exploração Mineral (CFEM).”

O consultor da AMIG disse que “quando se pega o balanço da Vale de 2021, por exemplo, está lá destacado mais de R$10 bilhões de perdas prováveis para pagamento de CFEM. Não pagam, geram dinheiro para fazer investimentos com seus próprios negócios. A realidade da mineração brasileira é a seguinte: as pequenas não pagam, as médias pagam o que elas acham justo e as grandes fazem um refinamento tributário e desrespeitam o preço de referência”, avaliou. Para ele, cabe no Brasil uma contribuição melhor, quem exporta pode contribuir mais. “Não é na CFEM, e sim nos cofres dos estados e da federação que estão sendo prejudicados há anos”, finalizou.

Daniel Pollack, superintendente de Arrecadação e Fiscalização de Receitas da ANM, salientou que o debate promovido pela Comissão de Minas e Energia da Câmara dos Deputados é oportuno para que todos conheçam mais de perto a situação e as dificuldades enfrentadas na agência. “A ANM até hoje não recebeu os 7% do total arrecadado com a CFEM, previstos na Lei, que deveria ser utilizado para nos dar estrutura para trabalhar. Comparada às demais agências reguladoras, a ANM está com o seu quadro de funcionários e de remuneração defasados, o que reduz e limita nossa capacidade de atuação”, alertou.

Pollack afirmou que a agência possui apenas cinco profissionais para fiscalizar mais de 30 mil processos de lavras. “Como vamos garantir que a CFEM está sendo paga de maneira correta e que o pagamento não está sendo feito na base da "boa fé".  A ANM não tem pessoal suficiente para ir em todas as empresas para fazer essa fiscalização. Estruturar a agência significa combater a ilegalidade e a sonegação, garantir a segurança jurídica e tributária, garantir o aumento significativo da arrecadação, geração de emprego  e renda,  a mitigação de riscos sociais e ambientais, além de garantir a sustentabilidade da atividade mineral”, enfatizou.