Enquanto
todos os holofotes da mídia nacional e internacional estão voltados para os crimes
que a mineração ilegal tem provocado na vida dos povos
yanomamis, por outro lado o Rio Vermelho de
Crixás, cidade situada em Goiás, está sendo
destruído pela mineração legalizada. Os
problemas estão sendo causados pela Mineração Serra Grande, que é administrada
pela Anglo Gold Ashanti, produtora sul-africana de ouro com vários ativos na
América Latina, e a terceira no ranking mundial. O município vai entrar
com uma ação para penalizar a empresa em R$ 36 milhões pelo ocorrido. A
aplicação da multa está baseada no Decreto Nº 6.514, de 22 de julho de 2008, na
Lei Complementar Federal 140/2011, e na Lei Municipal n° 1.580/2010 que dispõe
sobre o Código Ambiental, a Política Municipal do Meio Ambiente de Crixás e
sobre o Sistema Municipal do Meio Ambiente.
Os
sinais de contaminação do Rio Vermelho foram denunciados de forma anônima no dia 29 de maio de 2022. Imediatamente a
Secretaria Municipal de Meio Ambiente (Semma) foi ao local para uma
averiguação, juntamente com a Defesa Civil e a Vigilância Sanitária. Na ocasião,
a equipe de fiscalização verificou a existência de vários exemplares mortos de
espécies de peixes, além de caramujos e outros animais aquáticos de pequeno
porte. A denúncia foi formalizada junto à Semma de Crixás sob Processo n°
001/2022. “A Administração Pública Municipal contratou a empresa Equilíbrio
Ambiental Ltda para a realização de laudo técnico para termos uma dimensão do
impacto do incidente, no qual a mineradora nega sua responsabilidade. Desde
então, o município tem buscado uma forma de fazer justiça”, destaca o
secretário Municipal de Meio Ambiente de Crixás, Carlos Borges.
O laudo
técnico constatou que “a fonte e origem do derramamento que afetaram a
qualidade de água, do solo e da flora do Rio Vermelho foi a Mineradora Serra
Grande. Em decorrência da inexistência de ferramentas de controle e contenção
adequada a jusante para que garantisse a contingência em caso de transbordo ao
curso hídrico, e que por tal razão, teve como consequência trágica o vazamento
dos tanques 14 e 15, que atingiu diretamente o solo local, as margens e curso
d’água do Rio Vermelho, em Crixás, e que culminou na contaminação do corpo
hídrico por poluentes químicos utilizados na extração do ouro pela mineradora”
De
acordo com o assessor jurídico da Prefeitura, Tayrone Guimarães, a previsão é
que o município emita o auto de infração ainda na primeira quinzena de março. Em seguida, o município vai entrar com uma ação
administrativa contra a mineradora. O auto de
infração lavrado também será enviado ao
Ministério Público e solicitará uma ação
pública de crime ambiental.
“Crixás
vem sendo esquecida pelas autoridades. Nunca houve uma preocupação do governo
estadual com a questão ambiental do município, por
isso estamos endurecendo o jogo. O minério é um
bem da cidade. A mineradora precisa do nosso
município para trabalhar. Ela não é como uma
empresa de confecção que vai para outro local e continua existindo. O ouro que
ela precisa está em Crixás. Não somos contra a
mineradora e nem contra a mineração, mas ela
precisa ter responsabilidade ambiental, uma preocupação social com a
população e cumprir a legislação vigente”, explica o
assessor jurídico.
De acordo
com Waldir Salvador, consultor de Relações Institucionais e Econômicas da
Associação dos Municípios Mineradores de Minas Gerais e do Brasil (AMIG),
Crixás é mais uma cidade que entra para a triste estatística de acidentes
ambientais que são consequência da falta de uma fiscalização competente no
setor. "Há anos, a AMIG tem batido na mesma tecla e cobrado do governo federal
o fortalecimento da Agência Nacional de Mineração (ANM) para que tenha uma
estrutura capaz de realizar uma fiscalização digna e precisa da atividade
mineral em todo o território nacional. Essa é a única maneira de colocar um fim
às irregularidades e a esse desleixo”, enfatiza.
O consultor
da AMIG reforça que “os municípios mineradores e impactados pela atividade
mineral têm vivido de migalhas. A ANM está sem orçamento, sem nenhum aporte,
enquanto o lado privado tem, ao longo desses anos, recebido o privilégio de
ganhos espetaculares – a despeito de tudo que aconteceu no país, como a
tragédia de Brumadinho, que completou quatro anos, a de Mariana, que completou
sete anos, o sofrimento do povo Yanomami que tomou os holofotes neste ano, o
Rio Vermelho em Crixás, entre outros tantos que surgirão se esse descaso
continuar.”
Entenda o caso - A denúncia recebida pela Prefeitura de Crixás informava sobre um vazamento nos tanques 14 e 15 da Mineração Serra Grande, da
AngloGold Ashanti. “Diante disso intensificamos os trabalhos de
fiscalização por meio de uma varredura a montante do manancial para identificar
a possível causa do dano ambiental. Constatamos dezenas de peixes mortos. Com
isso, decidimos percorrer por toda a planta metalúrgica e a equipe se deparou
com manchas de transbordamentos dos tanques que armazenam cianeto e arsênico,
produtos químicos necessários na extração do ouro”, conta Carlos Borges.
O secretário de Meio Ambiente de Crixás relata que,
ao chegar no local, foi possível verificar manchas que iam do solo ao Rio
Vermelho. “O que mais nos chamou atenção foi o fato de não existir barreira de
contenção a jusante aos tanques, suficiente para que garantisse a contingência
em caso de transbordamento até o curso hídrico mais próximo”, pontua Carlos
Borges. Além disso, a equipe de fiscalização pontuou que os próprios
funcionários da mineradora declararam ter ocorrido um vazamento na madrugada
dos dias 28 e 29 do mês de maio do corrente ano, devido a uma falha na bomba.
Os
materiais foram recolhidos e enviados para
análise. Os laudos técnicos elaborados pela Equilíbrio Ambiental Ltda provam que a quantidade de arsênio encontrada no efluente
do Rio Vermelho estava em 654% superior ao
permitido pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). No solo, próximo aos tanques que estouraram, os níveis de arsênio estavam 993,33% acima da quantidade
estabelecida pelo órgão. Foram encontrados ainda cádmio, cobre, cianeto,
manganês, níquel e sulfato, nitrogênio amoniacal e
outras substâncias perigosas, todas elas com
elevada porcentagem acima do permitido por lei.
“Para se ter uma ideia da magnitude da
contaminação, as análises foram feitas em
amostras da água, do solo e de animais mortos coletados cerca de 45 dias após o
problema ser descoberto. Imagine que resultados seriam, se a coleta tivesse
sido feita antes?”, questiona Carlos Borges. Diante da quantidade de substâncias perigosas
encontradas, a Prefeitura de Crixás alertou os moradores sobre os riscos de contato com a água do Rio Vermelho. “Alertamos a população que não
bebesse a água do rio, comesse peixes pescados nele e nem se banhasse, pois poderia provocar intoxicação crônica, hipertensão, doença cardiovascular,
neuropatia e hepatite, sendo esta última acompanhada por um aumento de enzimas
hepáticas. Outro efeito possível é o desenvolvimento de cancro de pele,
pulmões, fígado, bexiga ou rins”, explica. Todo o processo foi acompanhado pela AngloGold Ashanti.
Poluição atmosférica - Os
problemas
ambientais que a mineradora causa na cidade são inúmeros. Crixás
tem sofrido com a poeira proveniente da atividade mineral. O caso tem
acontecido com frequência e o incidente mais recente ocorreu na última
terça-feira, dia 7 de março. “A cidade amanheceu tomada por uma nuvem de
poeira. Já havíamos feito uma vistoria na barragem a montante da Mineração
Serra Grande, no dia 22 de setembro de 2022. No local onde gerou a poeira, a
empresa estava fazendo um trabalho com polímero e aguamento na barragem seca a
montante com três caminhões pipa, 24 horas por dia. Notificamos a empresa e
eles dobraram a frota de caminhões pipa para ajudar na minimização da poeira e
fizeram reforço da aplicação do polímero”, conta Carlo Borges.
A
mineradora afirmou que está estudando, junto com outros engenheiros, formas
para acabar com o impacto no local. Mas até o momento não apresentaram uma
solução adequada para a resolução do problema. A
Secretaria Municipal de Meio Ambiente de
Crixás solicitou à Secretária Municipal de
Saúde, um estudo com dados sobre o impacto da poeira na saúde dos moradores,
principalmente com relação aos problemas respiratórios, pois essa poeira
impacta fortemente o sistema de saúde local, uma vez que infla os atendimentos
nas unidades.
“Frequentemente a população procura por
atendimento médico por irritação nos olhos, ouvidos, nariz, garganta e pele.
Existem vários vídeos que moradores mostram que estão sob uma nuvem de poeira,
como se estivessem numa neblina. Essa poeira cobre carros, casas, árvores e
hortas caseiras com um pó preto”, enfatiza.
A AMIG e a
Prefeitura de Crixás se uniram para apresentar
ao Governo de Goiás um manifesto exigindo a criação de regras
mais claras e rígidas para a mineração, como a não outorga dos afluentes,
controle mais rígido de danos ambientais e a
transparência do plano de fechamento de
mina, que é um planejamento da desativação total das estruturas de uma mina, de
maneira a seguir um roteiro que envolve aspectos, ambientais e socioculturais,
conforme Resolução 68/2021 da Agência Nacional de Mineração (ANM). O documento
será enviado ainda neste mês de março.
https://observatoriodamineracao.com.br/exclusivo-nao-ha-comprovacao-dos-r-36-bilhoes-que-renova-vale-bhp-e-samarco-alegam-pagar-na-reparacao-de-mariana-diz-mpf/