Estadão
Por João Pedro França Teixeira*
Existem três tipos de barragens de contenção de rejeitos, a montante, a jusante e a linha de centro. O que vai variar de uma para a outra é o método utilizado para a ampliação do potencial de armazenamento e o valor dispendido com toda a estrutura.
Existem três tipos de barragens de contenção de rejeitos, a
montante, a jusante e a linha de centro. O que vai variar de uma para a outra é
o método utilizado para a ampliação do potencial de armazenamento e o valor
dispendido com toda a estrutura.
A barragem a montante é feita a partir de um dique, onde na
crista da barragem forma-se uma "praia" de rejeitos, que se tornam a
fundação das próximas colunas (alteamentos).
Em que pese o implemento desse método ser mais simples e
econômico, o mesmo está associado à maioria dos casos de rupturas de barragens
de rejeitos e seus posteriores impactos sociais, ambientais e econômicos.
O principal risco de ruptura está vinculado à liquefação
estática dos dejetos ligados às suas baixas densidades e gestão inadequada da
operação da barragem.
Por fim, chamo a atenção para o fato de que essa é a
modalidade estrutural das barragens do Fundão e do Córrego do Feijão - Mariana
e Brumadinho, respectivamente, ambos ocorridos no Estado de Minas Gerais.
A barragem a jusante é a mais cara, mas considerada a mais
segura, visto que veio com o objetivo de minimizar os riscos do método a
montante.
Os rejeitos são depositados a montante desse dique. À medida
que a borda livre é atingida, são feitos alteamentos sucessivos para jusante. A
principal vantagem desse método é a ausência de restrição, em termos de
estabilidade, para a altura final do barramento, pois cada alteamento é
estruturalmente independentemente dos rejeitos lançados a montante. As
desvantagens são o alto custo dos alteamentos, devido ao grande volume de
aterro necessário, e a grande área ocupada pela barragem. Assim, a limitação da
altura final de uma barragem de rejeitos alteada para jusante dependerá basicamente
da área de terreno disponível [1] .
A barragem linha de centro apresenta método intermediário
entre montante e jusante e, em termos de custo, com disposição semelhante ao do
método a montante. No entanto, um dreno acompanha o alteamento da construção e
os rejeitos são lançados a partir da crista do dique inicial.
Nesse método, é possível a construção de sistema de drenagem
interna em todos os alteamentos. Quando os alteamentos se tornam necessários,
novos diques são construídos, tanto sobre os rejeitos dispostos a montante
quanto sobre o aterro do dique anterior, de forma que o eixo de simetria se
mantém.
No Brasil, compulsando os dados atualizados em fevereiro de
2019, verifica-se que existem 84 barragens do tipo "a montante",
metade com alto potencial de dano, segundo a Agência Nacional de Mineração -
antigo DNPM [2] .
Além disso, o país possui 219 barragens com alto dano
potencial associado.
Ocorre que somente agora, cinco anos após os acidentes
ocorridos, nos quais a população e a economia local foram totalmente
devastadas, o governo brasileiro se posicionou, sancionando a Lei nº 14.066, de
30 de setembro de 2020.
Entre os importantes artigos mencionados na lei, chamo a
atenção para o 2º-A, vejamos:
"Artigo 2º-A - Fica proibida a construção ou o
alteamento de barragem de mineração pelo método a montante.
§1º. Entende-se por alteamento a montante a metodologia
construtiva de barragem em que os diques de contenção se apoiam sobre o próprio
rejeito ou sedimento previamente lançado e depositado.
§2º. O empreendedor deve concluir a descaracterização da
barragem construída ou alteada pelo método a montante até 25 de fevereiro de
2022, considerada a solução técnica exigida pela entidade que regula e fiscaliza
a atividade minerária e pela autoridade licenciadora do Sistema Nacional do
Meio Ambiente (Sisnama).
§3º. A entidade que regula e fiscaliza a atividade minerária
pode prorrogar o prazo previsto no § 2º deste artigo em razão da inviabilidade
técnica para a execução da descaracterização da barragem no período previsto,
desde que a decisão, para cada estrutura, seja referendada pela autoridade
licenciadora do Sisnama".
Da simples análise, se verifica que foi vedada a construção
ou o alteamento de barragem de mineração pelo método a montante.
Após longos anos de insegurança no setor e a ocorrência de
duas grandes tragédias, para que o governo federal viesse a se posicionar e
tomar medidas enérgicas quanto à segurança das barragens.
O princípio da prevenção [3] impõe medidas para lidar com os
efeitos danosos de determinadas atividades para o meio ambiente, das que
podemos chamar de fatores previsíveis.
O princípio da precaução, por sua vez, trata da incerteza
decorrente da impossibilidade de antecipar as consequências de uma atividade
humana.
Como citado pelo juiz federal Gabriel Wedy [4] , "o
princípio da prevenção tem por finalidade a adoção de ações ou de inações para
evitar eventos previsíveis; já o princípio da precaução visa a gerir riscos em
princípio não prováveis por completo" .
Daí vem aquele questionamento: até quando a análise
econômica de assunção de risco potencial e efetivo, visando somente ao lucro,
irá prevalecer sobre os princípios da prevenção e precaução?
A única certeza que se tem é de que a Lei nº 14.066 já foi
um grande avanço!
*João Pedro França Teixeira é advogado, sócio do escritório
Mota Ribeiro, Barbosa e França, pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho,
LLM em Direito Empresarial pela FGV, pós-graduando em Direito Minerário,
vice-presidente da Comissão de Direito Minerário da OAB/BA, membro da
Associação dos Advogados de São Paulo, membro do Instituto Brasileiro de Defesa
do Consumidor e vice-presidente do Instituto Baiano de Mineração (IBAHM)
[1] FREIRE NETO, João Pimenta.. Núcleo de Geotecnia da
Escola de Minas da Universidade Federal de Ouro Preto , 2009.
[2]
http://antigo.anm.gov.br/portal/assuntos/barragens/pasta-classificacao-de-barragens-de-mineracao/plano-de-seguranca-de-barragens.
[3] https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/356/edicao-1/principio-da-prevencao-e-principio-da-precaucao.
[4]
https://www.conjur.com.br/2014-mai-30/gabriel-wedy-precaucao-direito-ambiental-nao-prevencao#:~:text=O%20princ%C3%ADpio%20da%20preven%C3%A7%C3%A3o%20visa%20a%20inibir%20o%20dano%20potencial,o%20risco%20de%20perigo%20abstrato.&text=Outra%20diferen%C3%A7a%20substancial%20entre%20os,que%20determinada%20atividade%20causar%C3%A1%20danos.