O fim da Vale na terra de Drummond "E AGORA, ITABIRA?"

Depois de 80 anos de mineração, a multinacional anunciou que encerrará suas atividades na cidade em 2031.

FONTE: Revista Ecológico

Itabirano, 57 anos, casado e pai de cinco filhos, o jornalista e empreendedor cultural Marco Antônio Lage foi, por duas décadas, diretor de Comunicação e Sustentabilidade para a América Latina da Fiat Automóveis. Ocupou o mesmo cargo na Cemig e tornou-se desde as últimas eleições municipais, via uma candidatura improvável, prefeito da terra natal do maior poeta brasileiro, Carlos Drummond de Andrade. Nono de uma família de 12 filhos, Lage cresceu de pé no chão em uma fazenda do século 18, no distrito de Ipoema. Aos 17 mudou-se para Belo Horizonte e agora retorna às origens, e como chefe da administração local. Seu maior desafio agora – uma vez que a Vale anunciou encerrar sua exploração de minério de ferro até 2031 – é evitar que Itabira se transforme em “mais uma cidade dormitório, esvaziada e empobrecida”. Tal como acontece, ele aponta, com a maioria das cidades mineradoras após a exaustão de seus recursos minerais. E agora, Vale, qual o legado de sustentabilidade a mineração vai deixar em Itabira? É o assunto drummondiano desta entrevista. Acompanhe!

MARCO ANTÔNIO LAGE: “Cidade mineradora não tem que ser feia. Podemos fazer de Itabira um case de sucesso internacional.”

 

ECOLÓGICO – Depois de 80 anos de mineração, a Vale encerrara suas atividades em 2031. Itabira do Mato Dentro, a cidadezinha de picos e matas, santeiros e noites brancas, continuará apenas um retrato na parede?
MARCO ANTÔNIO LAGE - Itabira nunca mais vai voltar a ser uma cidadezinha qualquer, como Drummond contou em versos, com aquela atmosfera de cidade histórica com suas duas fábricas de tecidos. A mineração deixa rastros e marcas que jamais vão se apagar. Por isso, queremos construir um modelo local e sui generis de desenvolvimento com qualidade de vida, justiça social e atividade econômica.

 

 

ECOLÓGICO – Como assim?
LAGE - Nosso esforço é para que Itabira não se torne mais uma cidade dormitório, esvaziada e empobrecida, como acontece com a maioria das cidades mineradoras. Ao contrário, temos 10 anos para construir essa nova realidade e fazer de Itabira um case, isso sim, de sucesso internacional. Isso é muito importante e estratégico para a Vale, que enfrenta as manchas do que aconteceu em Mariana e Brumadinho. Manchas essas que nunca vão se apagar.

 


A CIDADE entre crateras, do poeta maior do Brasil, 80 anos depois de um casamento ambíguo de dependência, amor e ódio: dor e esperança continuadas?

 

ECOLÓGICO - E vai dar tempo, apenas uma década, para se construir esse case?
LAGE - Sim. Estamos desenvolvendo um plano de sustentabilidade em todas as suas dimensões. Ou se faz isso em curto tempo, o que é um grande desafio porque não foi feito em 80 anos, ou vamos assistir a uma história desastrosa. Não em proporção de uma barragem rompida, mas talvez até maior, um desastre econômico-social tão devastador quanto.

 

 

ECOLÓGICO – O que fazer para evitar isso?
LAGE - Muito já está sendo feito. Existem três atores importantíssimos em ação. A sociedade e o poder público municipal, cuja missão é pensar um novo projeto ambiental-cultural de cidade. Mobilizar a sociedade civil, comunidade, conselhos, comércio, entidades de classes locais. O terceiro ator é a Vale. Estamos articulando esses pontos de força com ela. Como cheguei na última hora na campanha eleitoral, eu não fiz acordos políticos. O que tive e tenho é total liberdade para montar nomes e secretarias técnicas em todas as áreas. Já temos, inclusive, um plano de ações conconjuntas em desenvolvimento para este desafio.

 

 

ECOLÓGICO - O que a Prefeitura irá entregar para a população local até o fim do seu mandato?
LAGE - Já nos reunimos com a Vale e estamos tendo o suporte de uma consultoria internacional de vasta experiência, contratada e financiada pela empresa. A mineradora também está em transformação. Esse plano em construção para Itabira é e será uma mensagem estratégica muito importante que a Vale também enviará para a comunidade brasileira e internacional. Ao fim do meu mandato, vamos entregar um planejamento estratégico bem estruturado de 30 anos, o que permitirá sabermos como será Itabira em 2050, completamente sem a mineração. Além disso, vamos detalhar um plano de metas para 10 anos, pois, a partir daí a arrecadação das receitas municipais advindas da Vale já irão cair para um terço. Talvez esse seja hoje um dos maiores medos que temos. Maior até que o medo das barragens.

 

 

ECOLÓGICO - E quais são esses pilares que irão sustentar a nova e diminuída economia local? Como o meio ambiente está sendo contemplado nesse plano de metas?
LAGE - São cinco as novas vertentes econômicas, e o meio ambiente é um desses pilares. Cidade mineradora não tem que ser feia. Vamos construir praças, parques e jardins aprazíveis. Turismo ecológico é uma grande vocação na região rural do município. Temos a Chapada Diamantina com cânions e mais de 30 cachoeiras. É um presente da natureza que precisa ser melhor explorado. Uma vez, o arquiteto Jaime Lerner, ex-prefeito de Curitiba, esteve aqui em Itabira e sugeriu que as cavas em descomissionamento da Vale não fossem maquiadas. Mas, sim, que fizéssemos de Itabira o maior museu da mineração a céu aberto do mundo. É uma ideia.

 

LAGE - Eles começam pela educação de alta qualidade, capaz de garantir empreendimentos futuros para substituir a mineração. Hoje o plano pedagógico é frágil. Queremos uma educação 360 graus, levando arte e esportes para 100% dos alunos das nossas escolas públicas. Também temos a Universidade Federal de Itabira (UNIFEI), que será ampliada para receber 10 mil alunos, como um polo científico e tecnológico. A cidade também é um forte polo cultural com potencial para ser uma cidade literária. Nenhuma outra é tão fortemente ligada a uma obra como Itabira e Drummond. Na área de saúde, agiremos do mesmo modo. Vamos inverter o atual modelo equivocado, onde se gasta metade do orçamento nos hospitais e um quarto na saúde básica primária. Precisamos transformar a cidade em um macropolo para a saúde. Um quarto pilar será o agronegócio, voltado para a agroecologia, que hoje tem uma participação na economia local de apenas 1%. Isso porque a mineração tem essa característica de absorver os outros setores. E por fim, um polo logístico de transportes. Hoje 40% da linha férrea Vitória-Minas é ociosa.

 

ECOLÓGICO - Foi isso que motivou você voltar à Itabira, agora como prefeito?
LAGE - Sempre estive envolvido com a questão da mineração em Itabira, atuando como voluntário no desenvolvimento de planos para a diversificação econômica. Eu me filiei, político e partidário, no último dia possível, apenas para apoiar o candidato às eleições que acabou desistindo três meses antes do pleito. Foi uma candidatura improvável. A primeira pesquisa apontava que eu tinha 0,3% de intenção de votos contra 64% do ex-prefeito, candidato à reeleição.

 

 

ECOLÓGICO - Como você vê o diálogo mineral entre a Vale e os ambientalistas que foi cortado de maneira arrogante e equivocada em Minas, depois dos acidentes com Brumadinho e Mariana?
LAGE - A discussão com ambientalistas ainda que seja dura, que incomode e que seja antagônica do ponto de vista da exploração pelo lucro, é essencial. Esperamos um programa ambiental que combine mais com os novos tempos. Mais que obrigação, a questão ecológica hoje significa valor de marca, valor da empresa e de reputação. Só faz crescer, e muito, o valor de seus ativos. A Vale tem suas questões estratégicas. Mas pode ser mais transparente, demonstrando quais tecnologias irá usar, por exemplo, para minimizar os impactos ambientais causados e recuperar o que foi degradado. É preciso discutir e combinar o negócio. Uma empresa que extrai do planeta todo o seu lucro tem, prioritariamente, que discutir a questão ambiental com a sociedade.

 

“Uma empresa que extrai do planeta todo o seu lucro tem, prioritariamente, que discutir a questão ambiental com a sociedade.”

As “respostas” da Vale

A ECOLÓGICO procurou a Vale que, por meio de sua assessoria de imprensa, informou não ter um porta-voz para dar entrevista sobre este assunto. E preferiu enviar suas respostas, feitas de forma genérica, imprecisa e impessoal, como que escritas por um robô. Confira!

 

Há 10 anos da exaustão do minério em Itabira, qual será o legado que a empresa deixará para o município sob o ponto de vista ambiental, social e econômico? O que a Vale planeja observando esses três pilares da sustentabilidade?
A Vale tem se dedicado às ações que busquem o desenvolvimento de oportunidades com vistas à reconversão produtiva de Itabira dentro do conceito de visão sistêmica e integrada. O uso futuro do território está fundamentado nas diretrizes de sustentabilidade e no conceito de valor compartilhado, no qual a escuta ativa e o engajamento com a sociedade são fatores essenciais.

Quanto tempo ainda durará o monitoramento na região?
A Vale considera sempre o monitoramento pós-fechamento de seus complexos minerários ou das estruturas que o compõe. Neste sentido, o trabalho deve durar até que sejam restituídos os padrões determinados pela legislação ambiental ou pactuados junto aos órgãos competentes.

 

Drummond: nenhuma palavra ele recebeu da Vale.

 

Todas as minas desativadas serão recuperadas e reflorestadas, com plantio massivo de novas árvores?
O projeto de uso futuro do território será construído a partir da escuta ativa e diálogo com a comunidade, além de considerar a aptidão do município. Por ser um projeto em construção, o reflorestamento pode ser uma das medidas empregadas caso seja essa a vocação do município.

A natureza que um dia existiu, espécies de aves, da fauna e flora em geral, poderá voltar à Itabira? O verde “humanizante” será possível?
O conceito de reconversão produtiva abrange também as questões ambientais. O trabalho da empresa consiste ainda no mapeamento e entendimento das questões relacionadas ao ambiente natural do território para promover ações que contribuam para a restituição de todos os fatores integrantes do meio ambiente natural.

E que fim terão as grandes cavas e crateras? Serão transformadas em outro ambiente ou preservadas para fim histórico?
As cavas de mineração são escavações que já têm algum destino possível. Podem ser mantidas como reservatórios de água, a partir da restituição do aquífero e formação de um lago de cava, ou, por exemplo, serem descaracterizadas e reconvertidas à paisagem local, observando as melhores práticas de engenharia.

Por fim, depois de 80 anos em Itabira, qual a mensagem que a empresa envia para os seus habitantes, para os mineiros e o que diria para o ilustre itabirano Carlos Drummond, que eternizou a mineração em seus poemas?
A Vale reconhece a importância histórica e simbólica de Itabira para a mineração. Por isso, investe para que a operação no município seja referência em segurança para empregados, comunidade e meio ambiente, contribuindo para construir um legado de desenvolvimento social, ambiental e econômico para a região.